14 de setembro de 2018

A Cantora


No palco esfumaçado
A cantora embala romances
Cantando as suas desilusões
A voz afinada
E de incomparável beleza
Não denuncia
Que ela desafina na vida
Erra o tom no amor
Não alcança as notas dos seus anseios.

Anderson Lopes

6 de outubro de 2016

Ângela

Ângela
Quantas mãos te acenam
Quantos corpos se enfrentam
Para em ti se aventurar

Ângela
De fartas ancas
Parcas esperanças
Carregas em teu caminhar

Ah, Ângela
Eu te vi passar
Triste e descrente
Pelos faróis da Faria Lima
Pelas marginais engarrafadas da vida
Pelos becos sem saída
Pelas avenidas em mim.

Anderson Lopes

13 de agosto de 2016

Em Frente


Sigamos em frente
Acenda uma vela
O Amor está morto e enterrado
Fixado no esquecimento

Sigamos em frente
Acenda uma vela
Apagamos as estrelas
Que acendemos juntos

Sigamos em frente
Acenda uma vela
Uma fogueira
Outras estrelas
Outro amor.

(Anderson Lopes)

13 de julho de 2016

O Amor



O Amor caminha
Maltrapilho pelas ruas
Batendo de porta em porta
Mendigando corações.

[Anderson Lopes]


28 de maio de 2016

À Luz do Meu Tempo



Falsa a luz que me ilumina
O meu corpo projeta sombras artificiais
Melhor eu estaria
Envolto em total escuridão
Tateando com os olhos
Enxergando com a imaginação
Não distinguindo corpo de sombra
Não separando verdade de ilusão. 

[Anderson Lopes]

10 de abril de 2016

Bordado

De ponto em ponto
Como uma agulha
Vou bordando o meu caminho
Conduzindo o meu frágil linho
Formando firmes desenhos
No manto branco da vida...


Anderson Lopes

20 de março de 2016

Bicho



O bicho no pé do mundo
Deixando o tempo manco
Deixando o tempo coxo
Deixando a vida mocha
Desequilibrando tudo
Desestabilizando todos

O bicho no pé do mundo
O mundo parando aos poucos
Aos poucos o giro cessa

“O bicho não é um cão
O bicho não é um gato
O bicho não é um rato
O bicho, meu Deus, é o homem.”

[Anderson Lopes]


"Aspas: Manuel Bandeira - O Bicho"

1 de março de 2016

Resoluções



Matar os leões
Apagar o fogo dos dragões
Extrair o veneno das serpentes
Repelir as picadas dos insetos
Aprender a dançar com os lobos
Reproduzir o grito do Tarzan
Na selva de pedra.


[anderson lopes]

31 de janeiro de 2016

Teu Corpo Mar [Música]

O meu poema "Teu Corpo Mar" virou música nas mãos generosas e habilidosas do amigo Sandro Ernesto, do blog Panografias (http://panografias.com.br/). Ouçam:

Teu Corpo Mar
(Letrae Voz: Anderson Lopes - Música: Sandro Ernesto)

Teu corpo mar
Onda e sal
Eu sou o sol
Que em ti se deita manso
Sonso
Dourando cada canto calmamente
Lambendo as tuas partes
Com a sua língua ardente

Teu corpo mar
Brisa
Bruma e areia
Eu sou lua cheia
Que a tua maré agita
Que de amor de mais se agiganta
Para poder te beijar.

Anderson Lopes





20 de dezembro de 2015

O Menino Jesus do Morro


A estrela despencou do céu
Anunciando a chegada do menino
Que o deus Destino fez vingar
No ventre impuro de Maria do morro
Maria do povo

Nasceu o filho do Homem
De José sem mãe
Zé sem nome
Zé sem passado
Zé ninguém

Nasceu transparente
Absorveu toda a cor da noite
Agora tem a cor da noite
O menino com a lua nos olhos

Ninguém veio visitá-lo
O menino nasceu esquecido
E assim lhe escreve o deus Destino:
"Andarás por entre a gente,
Homem invisível,
Fazendo milagres

Que não serão reconhecidos."


Anderson Lopes
Foto: Cristiano de Assis

14 de outubro de 2015

Teu Corpo Mar




Teu corpo mar
Onda e sal
Eu sou o sol
Que em ti se deita manso
Sonso
Dourando cada canto calmamente
Lambendo as tuas partes
Com a sua língua ardente

Teu corpo mar
Brisa
Bruma e areia
Eu sou lua cheia
Que a tua maré agita
Que de amor de mais se agiganta
Para poder te beijar.

Anderson Lopes


4 de agosto de 2015

Saliva




Olhe este corpo
Ele nunca mais será seu
Ele nunca mais será meu
Ele nunca foi inteiramente nosso

Nele ainda há as tuas digitais
E as marcas do amor carnal
Do amor carnívoro
Canibal

Outra virá e apagará as tuas marcas com a língua
Lamberá os teus sinais
Transformará tudo em saliva.

[Anderson Lopes]


12 de julho de 2015

De Preto


Vou de preto
Para disfarçar os excessos
Para encobrir os defeitos
Para estar em contraste
Com este dia branco

Vou de preto
Para que toda a sujeira da vida me atinja
E nunca fique evidente
Vou de preto
Porque eu sou transparente

Vou de preto
Para impor respeito
E carrego nos olhos os meus óculos escuros
Para encarar a falsa luminosidade do mundo
Devidamente protegido.

Anderson Lopes

5 de maio de 2015

Mira


Eu me viro e me reviro
Giro a cabeça
Até ficar oposto a você

Eu me retiro e me estiro
Para além desse mundo
Que você povoou 
E me deixou sozinho

Miro outro alvo
Atiro em outro mundo
Atinjo um novo amor

[Anderson Lopes]

26 de março de 2015

Aquele Quarto





Aquela cama
Que tanto amor acolheu
Aqueles lençóis
Que tantos prazeres cobriram
E descobriram
Aqueles travesseiros
Que tantos segredos sabem
Se eles falassem
Pediriam nossas cabeças de volta
Aquele quarto
Que tanta paixão presenciou
Sente saudade de nós dois...

Anderson Lopes

25 de fevereiro de 2015

Um Coração e Dois Amores

Um coração e dois amores
Um tão igual a mim
O outro tão distante
Um tão real
O outro delirante
Um corpo só e dois desejos
Uma boca sedenta de beijos
Um amor escancarado
E o outro vivido em segredo...

[Anderson Lopes]

27 de janeiro de 2015

Mero Acaso

Sou a contradição entre a razão e o instinto:
Meu lado animal é fato
Meu lado homem é mito

Meus grandes olhos são armas nucleares
Sou homem de poucas palavras
E muitos olhares

Meu tempo é um sujeito errante
Não me julgues pelo agora
Séculos compõem o meu instante

Eu sou um quebra-cabeça das impressões que causo
E cada impressão traz um equívoco
No fim, eu sou um mero acaso...

Anderson Lopes



A Noite



A noite me beija com seu hálito fresco
E me envolve em seu encanto pagão
Negra
Nua
Inebriante cortesã do ébano
A escancarar a vastidão do seu sexo
Por entre as esquinas
 
Pura
Crua
A lua é uma pérola entre os seios
A contemplar sua nudez
 
A noite
Numa sedução que me entontece
Embriagado dela
Eu perco o juízo
A manhã virá me encontrar caído
Sonolento de prazer
 
[Anderson Lopes]
 

Volume Morto



Descobriu-se que não existem sapos
Na lagoa da terra da garoa
Só lixo
E o registro
De povos antigos
Revelados pela seca

Todos os anos de enchentes
Não foram suficientes
Para impedir que o sol
Estancasse a água
Secasse as línguas
Matasse de sede...


[Anderson Lopes]

29 de maio de 2014

Quantos Amores Guarda Uma Atriz?


Quantos amores guarda uma atriz
Em seu coração de mil personagens
Em sua face de mil disfarces
Em seu corpo de múltiplas almas?

Quantos pecados comete uma atriz
E para quantos deuses ela pede perdão
Dizendo ser apenas encenação
Os atos que a levaria ao inferno?

Para quantos céus vai uma atriz
Quantas vezes ela morre
Para dar vida a outras vidas
Que não morrem dentro de si?

[Anderson Lopes]

20 de maio de 2014

O Amor é Uma Guerra Perdida



No campo minado da solidão
O amor é uma guerra perdida
Na arma descarregada do coração
O amor é uma guerra perdi


No suor derramado em vão pela paixão
O amor é uma guerra perdida
Na trégua implorada pelo perdão
O amor é uma guerra perdida...

***

O amor se joga em meus braços
Quase sem vida
Banhado em sangue
Geme de dor

Numa sucessão de fracassos
Abriu-se feridas
Não há quem estanque
O sangue do amor.

[Anderson Lopes]


8 de maio de 2014

Os Meus Dias


Meus dias caminham lentamente
Como pés cansados que vagam pela casa
Como o ponteiro do relógio que aos poucos para
Compreendendo o esgotamento da pilha

Os meus dias
São olhos de noites mal dormidas
Olhos condenados a ver a vida 
Enquanto todos dormem...

Anderson lopes


Imagem: site Deviantart

20 de abril de 2014

Delgadina


*Delgadina
Puta imaculada
És para as minhas retinas
A luz ao findar da estrada
Onde eu arrasto a minha cruz

Ah, Delgadina
Dorme o teu sono profundo
Enquanto na nudez do teu corpo eu desenho um mundo
Onde o amor nos mantém acordados
Vidrados
No sexo um do outro

Pouco ainda tenho de mim
Do meu corpo só me resta esta alma
Que ainda tem anseios de menino
E te chama Delgadina
Para com ela fazer malcriações

Dorme minha menina
O teu sono passivo de santa
Os teus sonhos confusos de puta
E deixe a vida por minha conta...

[Anderson Lopes]



*Inspirado no Livro Memória de Minhas Putas Tristes, Gabriel Garcia Marques

8 de abril de 2014

Brevemente...



Não me recordo do seu rosto
Rasurado na fotografia amassada
Nem do seu cheiro
Abafado pelo cheiro da naftalina
Da sua voz nada ficou em meus ouvidos
Na minha memória
Tudo é tão vago e indefinido
Que, às vezes, da sua existência eu duvido
Foste tão breve
Como flor que nasce e fenece no mesmo dia
Em mim só ficou a lembrança
Do quão feliz eu era
Quando você estava aqui...


[Anderson Lopes]

31 de março de 2014

Fome

Meio-dia
Minha fome
E o meu desejo
De resgatar sabores antigos

Meio-dia
Sou só metade
Tentando resgatar a outra
No fundo de um prato vazio...

(Anderson Lopes)

10 de março de 2014

Regresso



...Estive no fundo de mim
Com a alma recolhida
Sob os restos das palavras mortas

Retorno à superfície
Atraco-me ao cais
E às glórias da poesia

Retomo o fôlego
Eu sou um poema novo
Escrito pelo grande Poeta das frases desconexas

Eu sou um poema do Destino
Decifra-me
Nas poucas linhas que te ofereço.

[Anderson lopes]

23 de dezembro de 2013

Dezembro

Rosa branca
Vento forte
Arranca as suas pétalas
Arrasta o seu cheiro
Para além do jardim

É dezembro
E o tempo
Arranca as folhas do calendário
Os dias
Os meses passados
Se decompoem na memória
E se transformam em histórias
Que o vento arrasta para além dos anos

É dezembro
Tudo findo
Uma rosa fenece
Enquanto outra desabrocha
Para o ano que vem vindo...


Anderson Lopes

26 de novembro de 2013


Chorei
Como há muito não chorava
Até que não restou mais uma gota de lágrima
No rio de minhas lamentações
Chorei
Até os olhos ficarem secos
E a alma enxuta.


Anderson Lopes




[imagem: internet]

12 de novembro de 2013

Noite Calma


Noite calma
O vento desliza as suas mãos em meus cabelos
E a paz envolve o meu corpo inteiro
Como a asa da mãe ave envolve o filhote descoberto
Como o útero a proteger o feto
E eu entro em contato com um novo universo

A noite me gera numa gestação tranqüila
"E quando o sol dilatar dará luz"
A uma nova vida...

Anderson Lopes

26 de outubro de 2013

Agridoce

Mar que naveguei
Muito do teu sal em mim ainda resta
Muito do teu sal em mim ainda pesa
Também muito de mim em ti ainda há

Por mais que eu me afogue em águas doces
Águas escuras de rios profundos
De mim o teu sal não sai
Mistura-se ao açúcar que há em mim agora
E eu caminho agridoce por esta vida
De sabor indefinido...

Anderson Lopes

12 de outubro de 2013

"Doce de Outublo"


Menino sem mãe
Nascido da dor do acaso
Jogado no mundo para sentir
As dores do ser invisível.


***

"Dia doce de outublo!"
Dizia a criança
Inconsciente de sua realidade amarga...


(Anderson Lopes)

2 de outubro de 2013

Seca




Ah, chuva
Minha existência foi pura seca
Esperei por ti tantos verões

Ah, doce chuva
Molha e fertiliza
O terreno árido de minhas emoções...


***


Chuva bem-vinda
Reacende a vida
Nos campos de mim.


(Anderson Lopes)

28 de agosto de 2013

Bom Dia e Adeus

Bom dia e adeus
A tudo o que não somos
E bem que nós tentamos
Seguir as regras do amor padrão

Depois de mais uma noite de desencontros
Não cabe mais tanto fingimento
Pecamos pela ausência se sentimentos
Inevitável foi o desencanto

Bom dia e adeus
A tudo o que evitamos
A tudo o que inventamos
Para manter as aparências do amor ilusão.

Anderson Lopes

14 de agosto de 2013

No Coração Dessa Mulher


O amor voltou a fazer coisas
No coração dessa mulher
Ela agora anda faceira
Com brilhantes se enfeita
Sua alma dança balé

Envolta no abraço
Do ser amado
Nem sente as dores da idade
Nem sente a tristeza de ainda existir

Reencontrou a mocidade
E toda a vontade
De se gastar na vida
Antes do tempo decretar o seu fim.

Anderson Lopes

26 de julho de 2013

Canção de Inverno



O frio chegou tomando acento
Deixando tudo mais evidente
A dor
A saudade
Os medos da gente
E a solidão dos carentes

O agasalho
A fogueira
A água quente
E a má condição dos indigentes

O olhar
O paladar
O cheiro da flor
Uma canção de amor
Que de repente
Toca e torna tudo mais atraente...

(Anderson Lopes)

11 de julho de 2013

Bruna


Quanta dor há naquela menina
Tão nova ainda
E a tristeza já fez morada
A vida pesa
Naquelas mãos delicadas

Amores já viveu
Com a experiência de mulher já feita
Amores já perdeu
Já derramou prantos de viúva aflita
A pele muito jovem
Reveste a alma envelhecida

E quanta alma há naquela menina
Transborda em seu corpo
Como o mar que a praia invade
E arranca o cais em noite de tempestade
Com a mesma força que tem a saudade
Em seu peito ainda em formação.

Anderson Lopes

29 de junho de 2013

O Perdão

O tempo lava o chão
Onde o ódio derramou o seu sangue
E o perdão faz brotar suas flores
Onde antes só nascia rancor
Livre das dores e das agruras passadas
O vento leva para longe toda mágoa cultivada
E espalha sementes de cordialidade
No terreno onde os nossos corações
Se reconciliam...

[Anderson Lopes]

11 de junho de 2013

O Amor em SP



O amor em São Paulo exige peitos fortes
E corações que suportem
Grandes distâncias
Ele é mais saudade que presença
Há que se ter paciência
Ante os sinais vermelhos
O amor em São Paulo é forasteiro
Reside no desassossego de quem ama
No desespero de quem clama
Por um pouco mais de tempo
Ao lado do ser amado
O amor em São Paulo está sempre atrasado
Mas para os apaixonados
Isso é só um detalhe.


[Anderson Lopes]

29 de maio de 2013

Um Palhaço, Um Poeta



O palhaço oculta o poeta
Pinta no rosto um sorriso
Põe nos olhos um brilho
Capaz de convencer todo o circo
De que é real a sua alegria

A alma desse palhaço é poeta
Quando sozinho
Sem tinta, sem brilho
Longe dos olhares do circo
Ele expõe na solidão o poeta
E liberta
Toda a sua poesia...


Anderson Lopes
[imagem do filme "O Palhaço", Selton Mello]

6 de maio de 2013

Só Quero de Ti



O meu corpo pequeno
Não almeja grandes espaços
Eu só quero de ti um pedaço
Um buraco tão vazio quanto eu
Para me enterrar

O meu corpo inerte
Não exige o teu movimento
Eu só quero de ti um acento
Um encosto tão parado quanto eu
Para me apoiar

O meu corpo frágil
Não anseia a eternidade
Nem vai de encontro à morte
Eu só quero de ti a verdade
Sangrando intensamente em meu corpo
Como um profundo corte.

[Anderson Lopes]

15 de abril de 2013

Leve-me




Perca-se em meu coração
Ele é um mundo a desbravar dentro de mim
Ele é um mar para você mergulhar
E nas profundezas me encontrar
Já perdendo o fôlego
Perca-se em meu coração
E leve-me para a saída
Leve-me de volta à vida.

Dance ao som do meu coração
Que ele é um bumbo a batucar pra só você ouvir
Ele é um salão para você dançar
E entre passos me encontrar
Já bêbado e trôpego
Dance ao som do meu coração
E leve-me para a pista
Leve-me de volta à vida.


Anderson Lopes

2 de abril de 2013

O Meu Canto Contido



O meu canto contigo é tão contido
Como o de um pássaro tímido
Imitando as notas tristes do trompete
De um Chet Baker deprimido

É um canto sussurrado
Quase calado
Devagar e modesto
Feito o de João Gilberto

É tão contido o meu canto contigo
É um canto cansado
Como o de Gal e Caetano
Cantando domingo...

[Anderson Lopes]


5 de março de 2013

Entre o Desejo e o que Há de Fato



A intuição cega a razão
Como o olfato confunde o paladar
O gosto nem sempre faz jus ao cheiro
O sexto sentido não serve como instinto

Não sou quem desejei dez anos atrás
Tão pouco digo o que ensaiei há dez minutos antes
Os sonhos guiam a vida
E a realidade a desvia

Pintei São Paulo com olhos imaginativos
Controversa arte feita de anseios
E aspirações diluídas em tinta barata

O real desbota o quadro
Frustra o artista
Poda as suas asas

Sim, Waly
**O real é oco, coxo, capenga.
O real chapa.
A imaginação voa...


[Anderson Lopes]
** Trecho do poema "Persistência do Eu Romântico", de Waly Salomão.

26 de dezembro de 2012

Da Noite Feliz


Da Noite Feliz
Ficou a solidão em mim
E a mesa farta de saudade
Que é a sobra da alegria
Que noutros tempos eu comi

Sozinho com o meu vinho
O álcool conserva o gosto de outros natais
E a tristeza se desfaz
Em meio às histórias
Que a memória reconstrói
Ao som do blues do B.B. King

Da noite feliz
Restou eu só aqui
Com o meu vinho
E algumas lágrimas para consolar...

[Anderson Lopes]

17 de dezembro de 2012

Luzinhas de Natal


Como se não bastassem as luzes
Dos carros
Dos faróis
Das placas
E dos apartamentos
O natal chegou trazendo as suas luzinhas
E o lamento
Das estrelas esquecidas no céu

Mais luzes
E o aumento
Da temperatura no país tropical
Fazendo derreter o Papai Noel

Para quem a cidade se enfeita
Se já não há beleza que encante
E que faça parar os olhos da população que corre
Para se enquadrar nos moldes do tempo?

Pobre menino Jesus!
São tantas as luzes
Que se hoje Ele nascesse
Ninguém perceberia a estrela
Anunciando a sua chegada
Na Terra

Pobre menino Jesus!
São tantos os motivos inventados
Para se comemorar o natal
Que ninguém percebe
O quanto Ele faz falta
Na Terra.

[Anderson Lopes]

4 de dezembro de 2012

Nova Idade, Cidade Velha


No rosto as linhas aparecem
Como as espinhas que brotavam
Na adolescência já quase esquecida
A pele começa a dar os primeiros sinais de desgaste
E a memória também

A perda gradativa dos cabelos
E o medo de não mais tê-los
E de nem chegar a vê-los
Embranquecidos em minha cabeça:
Crescem as entradas
E poucas são as saídas
O espelho me compara com o meu pai

São Paulo envelhece
Amadurece as maçãs do rosto
No rosto ainda verde
Acelera a lentidão do corpo
Com o corpo ainda disposto
A encarar grandes andanças...

[Anderson Lopes]

8 de novembro de 2012

Estação Vila Olímpia


Estou parado na Estação
Esperando o trem que não chega.
Catando a poesia que sai dos trilhos.
Tentando me contagiar com a alegria dos meninos
Que passeiam numa paz quase divina
Em suas bicicletas aladas.
Eles flutuam na pista
Como flutuam na vida,
Por que nada neles pesa
E na certa são felizes assim.
Estou parado
Enquanto o tempo corre à velocidade do trem.
A Estação logo se enche
É intenso o fluxo de gente
E triste a espera
De quem não pode usar as próprias pernas
[Tão pouco as próprias asas]
Para voltar pra casa.
Estou na Estação Vila Olímpia
Eu sou um trem sem trilhos para percorrer
E o meu peito é um vagão sem gente.
A saudade é quem ocupa os acentos vazios.
Estou febril
A alma está doente
E o corpo é quem sente as suas dores.
O trem chega
Coloco no papel toda a poesia que colhi
Todos os versos que com ela construí
E embarco.
A agonia da espera cessa
E eu volto a funcionar.

Uma ave branca beija o rio que atravessa a cidade
Dando-lhe um instante de vida...

[Anderson Lopes]

11 de outubro de 2012

O Menino Sozinho


Ele era um menino sozinho
Escondido entre os brinquedos
Como tinha medo
De ser da garotada
De perder-se em risadas
Gozos infantis

Era um menino sozinho
Tinha o mundo entre os dedos
Mas tinha medo
Em dividi-lo com a garotada
A sua alegria era velada
Os seus olhos eram gris

O menino sozinho
Queria ser grande
Estar entre os grandes
Voar com as águias
Andar sobre as águas
Enxergar além

O menino cresceu
Sozinho
Já sem medo de nada
Revela-se nas palavras
Sonha em ser de alguém...

[Anderson Lopes]


 [Anderson Lopes]








Miles Davis - Nature boy




1 de outubro de 2012

...Se!


Se eu tivesse alma
O meu corpo não estaria assim
Jogado a qualquer tipo de sorte
Entregue a todo o tipo de gente...

Se eu tivesse um coração
A minha vida pulsaria diferente
O meu sangue correria quente
Por entre as veias entupidas da cidade.

[Anderson Lopes]


#O Homem de Lata

19 de setembro de 2012

Ser Noturno


Com Imagem de: Ricardo Alves
Visite-o aqui: www.iamfotonico.blogspot.com.br


Meia noite de uma vida inteira sem dormir
A meia luz de uma lua cheia eu reflito
Sobre o que poderiam ter sido os meus dias
Se eu não me esquivasse tanto do sol

Eu não teria essas olheiras de vida mal vivida
Eu teria mais sombra
Para dividir comigo as responsabilidades do corpo...

Meia noite
E as lembranças são seres indesejáveis
Saindo debaixo da cama em que o passado dorme
Para me assombrar

Ah, como é leve o sono do passado
E quanto lixo ele acumula debaixo de sua cama!

Mas os grandes olhos da noite são ternos e consoladores
Imensos olhos vigias de mãe
Que me observam por detrás das cortinas
Olhos que não se fecham enquanto o filho não chega
Enquanto o filho não dorme

Doces e complacentes os olhos da noite!
Confortam-me
Protegem-me
E enfim adormeço...

[Anderson Lopes]


4 de setembro de 2012

Aos Olhos do Grande Centro


Espreitam-me os olhos da rua
Pupilas dilatadas
Pesa-me o seu olhar
Constrange-me
Mas não me paralisa
E eu sigo
Despido pelo grande centro

Esquinas, avenidas, viadutos me atravessam
Os carros atropelam a visão “feliz de cidade”
E os meus olhos se lançam suicidas do alto dos prédios sem fim

Os arranha-céus sangrando as nuvens
Os Homens Máquinas sem controle
Os Anti Homens Máquinas sem uso
E eu
Compomos a paisagem que dilata os olhos da rua

Mas a minha alma a rua não enxerga
O grande centro não me despe por completo
E eu sigo embalagem
Prejulgado
Mas com a alma intacta...

“E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso...”

[Anderson Lopes]

14 de agosto de 2012

Antes Areia, Agora Asfalto


Dormi brisa
Acordei furacão
A abalar as estruturas
E a arquitetura da cidade
Com mãos que tudo empurram
Com pés que nada esperam

Dormi calmaria
Acordei tempestade
O céu me obriga a falar
E a minha voz é de trovão
Os meus olhos se fecham como nuvens que se chocam
Ao chorar ,torno-me chuva
E choro
E chovo
Dormi seca
Acordei garoa

Antes areia
Agora asfalto
Dormi Bahia
Acordei São Paulo.

[Anderson Lopes]

30 de julho de 2012

Em Terra Firme Me Firmo

Diante do que se foi
Encima do que já não há
Abaixo do inalcançável
Ancoro a tristeza
E as inquietações da vida

Farto do mar e suas ondas
Farto de não ter aonde chegar

Em terra firme caminho
Embora hesitante
Não estou seguro da firmeza desta Terra
É frágil a sua estrutura
E forte são os seus destruidores

Mas não penso em voltar para o mar
E o enjoo das oscilações

Distante da tristeza
E das inquietações da vida
Em nada lembro o Marinheiro que fui
Firmo nesta Terra os meus pés
A fim de que eles criem raízes
E me deem a segurança que eu nunca tive no mar...

Anderson Lopes



18 de julho de 2012

O Poeta Não Cabe Em Si



O poeta não cabe em si
De tão cheio de alma
Ele inunda o mundo com palavras
Ondas gigantes de emoção

Mas por não saber nadar
O poeta se afoga nas próprias palavras
Imerge em si...


Anderson Lopes